quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um exercício de imitação

Por Sérgio Brito
No tempo em que a revista “O Cruzeiro”, fundada por Assis Chateaubriand, ostentava em seu expediente, com natural envaidecimento, os nomes de Rachel de Queirós, Franklin de Oliveira, Austregésilo de Ataíde e Millor Fernandes, entre outros não menos ilustres, um cronista de quem poucos ainda lembram, José Alberto Gueiros, imaginou, em crônica sobre a ressaca, como a desagradável sensação física causada pela ingestão de bebidas alcoólicas em excesso seria descrita por escritores famosos. Além da confreira Raquel, que, para ele, encontraria semelhanças no gosto nada agradável de um cacho de jurubebas, o cronista recorreu a Camões, de quem, se ainda estou lembrado, copiou o estilo em versos brancos: “E a boca me sabendo amargo travo,/ fui em busca de fonte de água fria,/ onde, ao ma vertê-la sobre o dorso,/ânimo novo e ledo recobrasse”. 
A perfeita imitação de formas de escrever tão distintas, conseguida com facilidade pelo versátil talento de Gueiros, era assunto que o saudoso amigo Murilo Sarney costumava puxar, vez por outra, em conversas literárias na nossa mocidade, incitando-me a repetir a façanha.
A propósito, se considerado o fato de que já completei sessenta e quinze anos, estou certo de que mesmo o mais desatento dos leitores logo perceberá ser bem antigo o desafio que agora ouso enfrentar, confesso que com pouca coragem e muito medo de cair no ridículo.
Daí por que, em face da dificuldade de encontrar um tema que tornasse menos penoso e passível de vexame o exercício de estilística a que me propus, decidi recorrer à história do Maranhão, nela manifestando, por puro comodismo, preferência pelo assaz conhecido episódio da fundação da quase quatrocentona urbe em que vivemos. 
Com a garantia de poder valer-me dos dados e personagens do acontecimento escolhido, enchi-me de brios e parti para a ousada empreitada de descrevê-lo, em estância de oitos versos decassílabos, a imaginar pretensiosamente que assim o faria o imortal cantor de “Os lusíadas”: "Ao correr o oriente, Portugal/ desvalida deixou a altaneira/ Terra Brasilis de Álvares Cabral,/ onde, ao norte, um gaulês pôs a bandeira,/ de uma França dita equinocial,/ e fundou real cidade na ilha Grande,/ notícia a que se opõe Lourdes Lauande".
Vencido, bem ou mal, o primeiro obstáculo, e sem temer represálias pelo sacrilégio de macular a lira camoniana, resolvi mexer noutro vespeiro. Imaginei, então, com que palavras, e em que tom, um membro do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís narraria o evento. E o resultado obtido foi este:
 “Com a criminosa complacência de Japiaçu, cacique dos Tupinambás, a França Equinocial foi instalada em Upaon-Açu, neste dia 8 de setembro de 1612. Segundo denúncias trazidas a esta entidade, a senhora Maria de Médici, rainha regente dos franceses, está por trás dos aventureiros Daniel de La Touche e François de Rasily, principais sócios da empresa, cuja operação se prenuncia a mais lesiva aos interesses nacionais, desde que o imperialista Villegaignon e seu capitalismo selvagem foram escorraçados do Rio de Janeiro. Lideranças locais que negam legitimidade ao cacique para negociar concessão de terras e oferecer incentivos aos invasores, prometem lutar contra o empreendimento, a não ser que haja garantia de emprego para os nativos e que a implantação do projeto seja precedida de estudos de impacto ambiental, medida que prevenirá eventuais danos ao ecossistema da ilha”.   
Não satisfeito com os resultados obtidos, parti para empreitada mais ambiciosa ainda - a de idealizar a manifestação de Zé Limeira sobre o assunto, vacinando-me para não ser contaminado pela pornografia versada presente em quase toda a sua obra. Como se estivesse a psicografar o surrealista poeta popular, que ganhou nomeada com a distorção absurda de fatos históricos, a estrofe de nove versos com que encerro esta crônica saiu de uma só vez:   
"Deu hoje n'O Imparcial
que o senhor Ravardière,
da França Equinocial,
desembarcou no Calhau,
numa área da Franere.
A mandado de seu rei,
veio fundar São Luís,
mas, sem ordem do Sarney,
não fez o que história diz".

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